Antes de falar qualquer coisa sobre “Jogos Vorazes” (“The Hunger Games”), é necessário uma crítica, ou ainda, um apelo à divulgação e, de certo modo, à boa parte do que a mídia tem falado sobre a série como um todo: parem de compará-lo a “Harry Potter” e “Crepúsculo”.
Só existem duas coisas em comum entre as séries: 1- as três são direcionadas, em linhas gerais, para um público adolescente e 2- as três se originaram de uma série de livros (como o leitor pode ou não saber, “Jogos Vorazes” é uma trilogia de livros por Suzanne Collins, edição brasileira pela Editora Rocco). Fora essas duas características, não há mais o que forçar a comparação ou “rivalidade”, já que mesmo os temas abordados são distantes uns dos outros.
Do mesmo modo, vale esquecer certos preconceitos e “hábitos” gerados a partir dessas franquias biblio-cinematográficas, sejam eles positivos, negativos ou ambíguos. Especialmente para você que não leu os livros e pouco conhece do universo da franquia, não se deixe influenciar pelas comparações e a confusa divulgação de “novo fenômeno” e entenda por que vale assistir o que “o mundo estará assistindo”: (Só nos Estados Unidos, já superou a marca de 155 milhoes de dolares em bilheterias)
Na nação de Panem, como punição por rebeliões passadas, anualmente os 12 distritos que cercam a grande Capital devem oferecer um menino e uma menina entre as idades de 12 e 18 anos como tributo para os chamados Jogos Vorazes, uma batalha até a morte em que há apenas um sobrevivente. Na 74a. edição, no miserável Distrito 12, a jovem Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) toma o lugar da irmã, Primrose (Willow Shields), quando o sorteio determina a garota como tributo. Acompanhada do segundo tributo, Peeta Mellark (Josh Hutcherson), Katniss parte para a Capital, onde é treinada e preparada para competir nos Jogos, transmitidos como um esporte para toda a nação.
O que você faria se fosse escolhido como um dos tributos para os Jogos Vorazes? A pergunta, que dificilmente deixa de passar pela mente dos espectadores (ou leitores), não tem uma resposta certa – competir nos Jogos é aterrorizante para a maior parte dos participantes, especialmente quando as únicas opções são “vencer” ou “morrer”. Mais do que isso, o enredo (aliás, já bem trabalhado na obra escrita) trata de vários aspectos de controle social em muitos níveis. De um lado, os Jogos são uma punição nem sempre tão velada ao povo, garantindo o controle de um governo totalitário. De outro, são gigantescos reality shows com patrocinadores, apresentadores e literalmente toda a nação acompanhando. A maneira que isso fala sobre nossa própria realidade pode ser assustadora de maneiras que nem competir nos jogos seriam.
É claro, aqui estamos falando de um mundo que o livro já estabeleceu, e estabeleceu bem. A chegada ao cinema, porém, lucrou de maneiras únicas. Como já se sabia ainda antes do lançamento (LINK: http://blogs.pop.com.br/cinema/jogos-vorazes-nao-sera-narrado-pela-protagonista/), a chegada ao cinema representou uma mudança de narração em relação ao original. Em vez de focar totalmente no ponto-de-vista e narração de Katniss, agora acompanhamos a aventura da garota com uma distância maior. No sentido de cenas, isso garantiu inovações e complementos à história que não existiam antes. As apresentações do exagerado Caesar Flickerman (Stanley Tucci que, aliás, está irreconhecível) pontuando a ação do longa, assim como o planejamento do evento e intromissões de Seneca Crane (Wes Bentley) nos apresentam outros pontos de vista que colaboram fortemente com as várias críticas já trabalhadas.
Antes que a pergunta seja levantada, sim, houveram mudanças em relação ao original. Além da redução ou omissão de diversas cenas para garantir o melhor andamento do longa, assim como simplificação de alguns aspectos, pequenas ações foram alteradas e a ordem de certos eventos invertidas. Eventos do segundo livro já podem ser vistos nesta primeira aventura e personagens mais secundários ganharam importância. Para os fãs que podem se revoltar com as alterações, não podemos esquecer que todas foram aprovadas pela autora, que além de co-escrever o roteiro, atuou como Produtora Executiva, junto de Robin Bissell.
Por outro lado, o distanciamento de Katniss chega a representar uma pequena perda em emotividade. Apesar de cenas altamente emocionais e diálogos bem construídos, diversos elementos que no livro se tornam óbvios pela narração, aqui ficam vagos para quem não conhece a história original. Na prática, nada fica sem ser entendido, mas algumas vezes não percebemos a profundidade de um ou outro evento, especialmente certas sutilezas emocionais.
O elenco especialmente capaz faz toda a diferença aqui. Começando com a excelente performance de Lawrence como protagonista, passando pelo co-astro Hutcherson e incluindo todos participantes, organizadores, familiares e vilões, não há ninguém que não pareça o personagem que deve ser. O elenco principal brilha pela variedade de atuação, criando um grupo de personagens que o público se identifica e desenvolve sentimentos e opiniões rapidamente. A preparação técnica para cenas de luta e ação também foi extensiva e garantiu ótimos frutos.
Uma caracterização e ambientação fantástica adicionam muito valor ao filme – desde os cenários miseráveis e roupas esfarrapadas dos Distritos até o mundo cheio de cores, penteados malucos, maquiagem, tecnologia e luzes da Capital de Panem. O cenário futurista imediatamente faz com que entendamos que se trata de outra realidade, mantendo ao mesmo tempo uma familiaridade que não é tão distante assim. Nos personagens, isso adiciona um valor especial que lucra até mesmo nos detalhes, seja nas roupas estrambólicas de Effie (Elizabeth Banks), na barba em forma de chamas de Seneca ou na cabeleira azul de Flickerman. Vale lembrar, nenhum desses cenários ou fantasias milionárias seria o suficiente para ter um bom filme – no final, é a perfomance do grupo que faz a experiência forte.
Tecnicamente, o longa aproveita o orçamento para garantir efeitos visuais impressionantes, ângulos de câmera ousados e cenas de difícil execução. Por outro lado, talvez por alguma escolha autoral inexplicável, a câmera por diversas vezes ganha um movimento inquieto que, em vez de aumentar a ação ou gerar um toque humanizado no que é visto, tende a incomodar. Especialmente no começo do filme, em que ainda não estamos acostumados com o artifício, o desconforto é ainda maior. Conforme vemos cenas de luta mais violentas ou rápidas, essa mesma câmera retorna, tornando os conflitos difíceis de entender.
A violência, marca dos livros e grande preocupação para a mídia, assim como produtoras, distribuidoras e pais preocupados, acaba ficando mais na promessa do que no que é realmente visto. Enquanto de fato vemos mortes de jovens, golpes e ferimentos, o sangue frente às câmeras tende a aparecer mais nas armas usadas do que nos corpos (teoricamente) mutilados. De fato, seja pela câmera agitada ou por outros elementos mais importantes em cena, muitas vezes o resultado da violência acaba fora do campo de visão. A idéia da violência, porém, é o que realmente deve preocupar os mais sensíveis, seja pelo conceito da matança infanto-juvenil quanto pelos comportamentos que ela levanta. Em uma cena especialmente cruel, por exemplo, um grupo de participantes ri e discute entre si quem matará uma garota acuada. Se não fosse o fato que estavam falando sobre a morte da menina, a conversa soaria como bullying de colégio, que por si já pode ser terrível.
Independentemente da mania que começa a surgir em torno de “Jogos Vorazes”, eis aqui uma ótima opção para quem gosta de boas histórias, bem contadas, com uma boa atuação. Ao que tudo indica, este filme estará um bom tempo em cartaz, mas não deixe de conferir.
E claro, como não podíamos deixar de dizer, “Feliz Jogos Vorazes, e que a sorte esteja sempre a seu favor.”
por Rodrigo Ortiz
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Tungado na integra daqui
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